sexta-feira, 31 de agosto de 2007

ESPERO-TE




Não sei quem és.

Não sei como és.

Nunca te vi.

Nunca ouvi tua voz.

Nunca toquei tua mão,

Mas sei que estás aí.

Espero-te.

Sonho-te.

Quando vieres

Traz-me o teu sorriso,

O teu carinho

E uma flor.


domingo, 19 de agosto de 2007

TABACARIA




Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.

Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come! Pudesse eu comer chocolates
com a mesma verdade com que
comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel
de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como
tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim
mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo
de coisas como tabuletas

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves! , e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

15-1-1928 - Álvaro de Campos

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

SI NON AVESSI PIU TE


Gianni Morandi foi um dos ídolos da minha juventude. Sempre gostei do tom da sua voz e do sentimento que põe nas suas interpretações. Já pouco de ouve. Vamos recordá-lo agora.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

NÃO SEI

Aguarela de Marcel Reynaert

Não sei se a vida é curta
ou longa demais para nós.
Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
Se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.
E isso não é coisa
de outro mundo.
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais.
Mas que seja intensa,
verdadeira e pura
Enquanto durar.
“Feliz aquele que transfere
o que sabe ...
... e aprende o que ensina.”
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E-mail recebido de um amigo e lindo demais para não ser divulgado. Bem-haja!

domingo, 12 de agosto de 2007

DUAS LUAS

Duas Luas no dia 27 de Agosto.

Todo o Mundo está à espera.

O Planeta Marte será o mais brilhante no início da noite.

Parecerá tão grande quanto a Lua cheia.

Isto acontecerá no dia 27 de Agosto quando o planeta Marte ficar a 34.65M milhas da Terra.

Ver o céu no dia 27 de Agosto, 12.30am.

Parecerá que a Terra tem 2 luas.

A próxima vez que ele ficará tão perto da Terra será em 2287.

Partilhe com os amigos pois NINGUÉM VIVO, HOJE ,voltará a vê-lo.


Informação recebida do amigo
  • O Atónito
  • sexta-feira, 10 de agosto de 2007

    ALMAS PERFUMADAS



    Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta.
    De sol quando acorda.
    De flor quando ri.
    Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso numa tarde grande, sem relógio e sem agenda.
    Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça.Lambuzando o queixo de sorvete. Melando os dedos com algodão doce da cor mais doce que tem pra escolher. O tempo é outro. E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, mas que a gente desaprende de ver. Tem gente que tem cheiro de colo de Deus.
    De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul.
    Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e que alguns são invisíveis. Ao lado delas, a gente se sente chegando em casa e trocando o salto pelo chinelo.
    Sonhando a maior tolice do mundo com o gozo de quem não liga pra isso. Ao lado delas, pode ser abril, mas parece manhã de Natal do tempo em que a gente acordava e encontrava o presente do Papai Noel. Tem gente que tem cheiro das estrelas que Deus acendeu no céu e daquelas que conseguimos acender na Terra. Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível, a gente tem certeza.
    Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar feito de alegria.
    Recebendo um buquê de carinhos.
    Abraçando um filhote de urso panda.Tocando com os olhos os olhos da paz.
    Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave que sua presença sopra no nosso coração. Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa.
    Do brinquedo que a gente não largava.
    Do acalanto que o silêncio canta.
    De passeio no jardim.
    Ao lado delas, a gente percebe que a sensualidade é um perfume que vem de dentro e que a atração que realmente nos move não passa só pelo corpo. Corre em outras veias.
    Pulsa em outro lugar.
    Ao lado delas, a gente lembra que no instante em que rimos Deus está conosco, juntinho ao nosso lado. E a gente ri grande que nem menino arteiro. Tem gente como você que nem percebe como tem a alma Perfumada!
    E que esse perfume é dom de Deus.



    Carlos Drummond

    sábado, 4 de agosto de 2007

    DIGA-ME COISAS BONITAS





    Venho cansado da estrada
    Trago no peito sofrido
    Um coração machucado
    E tantos sonhos perdidos
    Te encontro no meu caminho
    Como quem acha uma flor
    Te dou sorriso escassos
    Te falo de abraços
    Preciso de amor.

    Diga-me coisas bonitas
    Faça-me crer que na vida
    Ainda existe um amor escondido no peito
    De alguém que me ama
    Diga-me coisas bonitas
    Que há muito tempo eu desejo
    Ouvir da boca que eu beijo
    Palavras de amor cada vez que me chama.

    Diga-me coisas bonitas
    Traga meus sonhos de volta
    Me abraça e nunca me solta
    E diga que eu fique pra sempre contigo
    Diga-me coisas bonitas
    Porque meu peito reclama
    Mas só me diga a verdade
    É cedo demais
    P'ra dizer que me ama.


    Roberto Carlos

    quinta-feira, 2 de agosto de 2007

    RÚSTICA


    Ser a moça mais linda do povoado,
    Pisar, sempre contente o mesmo trilho,
    Ver descer sobre o ninho aconchegado
    A bênção do Senhor em cada filho.

    Um vestido de chita bem lavado,
    Cheirando a alfazema e a tomilho...
    Com o luar matar a sede ao gado,
    Dar às pombas o sol num grão de milho...

    Ser pura como a água da cisterna,
    Ter confiança numa vida eterna
    Quando descer à "terra da verdade"...

    Meu Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
    Dou por elas meu trono de Princesa,
    E todos os meus Reinos de Ansiedade.


    Florbela Espanca

    Para quem vai de férias, umas boas férias!

    Para os restantes, um bom fim de semana!

    https://www.malhanga.com/musicafrancesa/becaud/au_revoir/

        Se fosses luz serias a mais bela   De quantas há no mundo: – a luz do dia! – Bendito seja o teu sorriso Que desata a inspiração Da minha...