
A natureza não estava à minha volta, estava dentro de mim. Fazia-me falta. Sentia-me como um animal a quem tivesem arrancado uma pata. Não sabia qual tinha sido, mas era importante. Não servia para comer, dormir, respirar, mas para escolher uma direcção e percorrê-la até ao fim. A sintonia do universo com os humanos era bastante escassa. À minha volta, falava-se uma língua que eu não conseguia entender, mas percebia que as folhas, as pombas e os cães tinham qualquer coisa importante a dizer-me.
A desilusão com os adultos provinha também daí. Se eu perguntava, apontando para um melro "o que é isto?", respondiam-me "é um pássaro". E ouvia a mesma resposta, se apontava para um pardal. As árvores tinham igual sorte. A tília e o carvalho eram apenas troncos com ramagens e os seixos eram apenas seixos. Quando eram maiores, passavam a ser pedras, e era tudo.
Na aula, éramos trinta. Só raparigas, como as árvores são só árvores. Todavia, eu tinha orelhas de abano, era loura e chamava-me Susanna; a minha colega de carteira era morena, de orelhas pequenas e graciosas e chamava-se Fiorella.
Porque seria que as árvores não tinham nomes? Porque é que os pássaros também não tinham? Em suma, o que significava não ter nome?".
Extraído do livro "Cada Palavra é uma Semente" de Susanna Tamaro