domingo, 31 de julho de 2005

SONHEI CONTIGO


O combóio pára. Cais do Sodré.

A multidão movimenta-se em vários sentidos. Abro caminho por entre ela e sigo em frente, sempre em frente. Só calada, friorenta, pensativa. Os pensamentos multiplicam-se, dividem-se e, por fim, quase se desvanecem para dar lugar a um vazio um tanto incómodo. Aquele vazio que, apesar de vazio, tem como companheira a solidão. Os estabelecimentos fecham, algumas luzes apagam-se, os caminhos tornam-se mais tristes porque, entretanto, a noite desceu como seu manto negro que tudo cobre. E eu segui em frente, sempre em frente...

Cheguei a casa. Comi e depois sentei-me no sofá, olhando sem interesse para a televisão, sem saber em que canal me fixar. Nada me cativava a atenção e deixei-me ficar, calada e vazia como o vazio, tendo a solidão por companhia. Ela conhece-me de cor, por dentro e por fora há muitos anos. Sente, chora e ri comigo. É uma amiga que escuta sem criticar. Falo muito com ela. A sua presença por vezes é confortante, outra saudosista, outras até incómoda.

Progressivamente o meu corpo vai relaxando, os olhos fecham-se, sou invadida por uma sensação suave de abandono, como se saísse de mim própria, envolvida num ambiente morno e perfumado. E fui-me soltando... soltando... como se estivesse a ser transportada a outra dimensão. E estava. Quando cheguei a sensação de bem-estar aumentou, o vazio preencheu-se, as coisas tomaram cor. Era como se estivesse numa outra vida, sem "antes", sem "depois", só com "presente". Senti-me aconchegada como uma criança e a minha alma aquietou-se. Via o mar, as águas em movimento, onde se reflectiam várias luzes. Via o céu crivado de estrelas e uma delas parecia sorrir para mim com uma certa cumplicidade. Ouvia uma música suave, baixinho... baixinho...

Uma mão tocou a minha, depois acariciou o meu rosto e eu encostei a minha cabeça ao peito de alguém que partilhava comigo aquele "estado de graça" em que me sentia mergulhada. Nesse peito forte batia um coração que me dizia: "gosto de ti... gosto de ti...". E a mão passou a acariciar-me o cabelo: "tão bom... tão bom...", dizia o meu coração...

E adormeci enquanto os dois corações falavam de amor e não havia lugar para a solidão. Dormi, dormi, embalada nesses braços, encostada nesse peito, ao som desse coração. E o tempo passou. As horas passaram e nada de mau me tocava porque alguém me protegia e amava. E o sentimento era mútuo e eu era feliz.

Chegou o momento de acordar. Os olhos abriram-se aos poucos... Tu não estavas lá mas ainda sentia o teu cheiro e o teu calor... E era feliz porque o meu coração batia por ti e dizia "amo-te! amo-te! amo-te!".

Estás sempre comigo mesmo quando não estás porque entre nós não há "longe" nem "distância"!

5 comentários:

Sr. Jeremias disse...

Sonhos que valem a pena :) Mas quando se abrem os olhos fica um vazio tão grande...

Patricia disse...

Aaahh... sonhar é sempre muito bom!
Tenha uma linda semana minha querida...
beijos!!

José Gomes disse...

Afinal pensava que tinhas ido de férias!
Minha amiga, achei um texto muito bonito, bem escrito, mas que esconde uma certa melancolia.
Mas, como dizia António Gedeão, "O sonho comanda a vida..."
Boa semana para ti e boas férias acima de tudo.
Um abração.

Leonor disse...

"o comboio pára. Cais do sodré..."

conheço bem o espaço, até de olhos fechados. passo lá tiodos os dias, conheço aquelas pessoas que me dão encontrões, que me atropelam em sentido contrário...

beijinho da leonor

Heavenlight disse...

Eu queria gostar da saudade e das recordações, mas não consigo.
Gosto das memórias da infância, pois sentia-me sempre feliz. A adolescência e vida adulta deixaram-me a saudade de quem amei e partiu para um mundo talvez melhor, mas injustamente, e a recordação dolorosa da luta que travei por alguém que destruíu os meus sonhos e a minha vida.
Ainda sou nova, dizem-me que tenho a vida toda pela frente, mas estes pedaços de gelo permanecerão sempre dentro de mim... talvez um dia eu consiga libertar os fantasmas e construir saudades felizes que me façam sonhar e me deixem dormir.
Sorry pelo desabafo.
*

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